Exposição

Abertura
Segunda-feira,
9 de Junho de 2025
19:30 horas
Exposição
Até 27 de Junho de 2025
Segundas a sextas-feiras
das 10 às 18 h
Sábados das 10 às 13 h
Local
Curitiba, 1862, Lourdes
Belo Horizonte / MG
30.170-127
Estacionamento privativo
(31) 9 9889-1515
(31) 9 9889-5445
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A pintura e as armadilhas do olhar
Em meio ao burburinho e à velocidade do mundo contemporâneo, a pintura de Eduardo Sued se sobressai por sua fisicalidade e seus largos e generosos campos de cor. Tudo aqui conspira a favor da história; o artista é o elo de uma corrente, segue os caminhos e a sua sina é reescrever fábulas e mistérios da existência e da consciência humana. Ele é personagem atemporal em sua permanência no silencioso embate da pintura com o mundo.
Em sua longa trajetória profissional Eduardo Sued sempre identificou na história a sua companheira de trabalho. O artista referencia-se diretamente às estratégias articuladas inicialmente por Edouard Manet e principalmente à escala de graus e valores cezanianos que estruturam o espaço moderno bidimensional. A partir dessa definição seminal de ação artística, Sued atua na incorporação de referências e vetores distintos para criar uma obra que dialoga sobre o papel da arte nesses tempos supostamente líquidos onde vivemos e afirma fisicalidades em meio às dominações virtuais determinadas pela cibernética.
Os espaços vibrantes determinam a ação substantiva da cor onde cada uma, individualmente, provoca e sugere descobertas; o contraste entre elas atua na interseção de conjuntos criando equações de extrema potência visual e inteligência plástica. Por isso, a superfície pictórica em Sued é repouso e inquietude, afirmação e provocação. Com maestria o artista conduz o olhar e direciona a cena para as margens, deslocando o tradicional local da ação pictórica e colaborando para a criação de verdadeiras “arapucas” abstracionistas.
Seus quadros remetem a inúmeros momentos e verdades da chamada arte moderna, conectando, por exemplo, o colorismo esperançoso de Matisse às construções assimetricamente precisas de Mondrian. Há também nessas pinturas uma espécie de referência melancólica ao “fantasma” da pintura. Aquele que não é visto, que se origina do reflexo do outro e se estrutura no imponente mistério das paisagens silenciosas e das naturezas mortas morandianas que Sued recria e transforma. Em meio a essas referências o artista afirma a história como ferramenta dialética de ação e transformação, e “à la Manet” delas se apropria, utilizando-as como trampolim para uma obra comprometida com seu tempo e voltada para o futuro. Suas pinturas, afirmativas da modernidade, são também, dispositivos visuais que se contaminam por formas, contrastes, texturas, ironias e assumidas contradições trazidas não somente da arte europeia, mas também de sutis elementos oriundos do universo Kitsch e pop/popular nacional.
Na confluência dessas ações a placidez pictórica de Eduardo Sued atua como armadilha de uma obra jovem e inquieta. Às vésperas de comemorarmos o centenário desse artista referencial da arte brasileira, a reunião desse pequeno e valioso conjunto de pinturas acentua a atemporalidade da atividade artística valorizando o talento e a inteligência como pilares essenciais da beleza e da verdade.
Marcus de Lontra Costa
Razão e Sensibilidade
Creio que a maioria das pessoas imagina a crítica de arte como uma atividade desapaixonada, funda-da numa relação puramente objetiva entre o crítico e a obra, resultando em conclusões construídas racionalmente segundo critérios estéticos pré-fixados. Certamente ela tentou e acreditou aproximar-se disso em outros tempos. Hoje, a própria noção de razão e emoção como instâncias independentes e radicalmente opostas no ser humano não é a da neurologia contemporânea, nem, portanto, a da estética. Não nos acontecem na mente decisões em uma das duas áreas que não utilizem recursos da outra. Na prática, não há como separá-las. A crítica se faz com razão e sensibilidade, como a própria obra, que inevitavelmente as conjuga. Enquanto consista em um objeto tangível (com a arte conceitual é diferente), a obra exige um projeto – no mínimo dos mínimos, a intenção de produzi-la –, junto com uma operação física do domínio dos afetos: a da mão, que não será nunca uma máquina e habitualmente deixa seus rastros. Até nas obras em que a participação do acaso é decisiva, houve antes um voluntário gesto autoral a pô-lo em movimento.
Dependendo do artista, a balança pende para um ou outro polo: para obras predominantemente ra-cionais ou predominantemente emocionais – como, por exemplo, as dos concretistas dos anos 1950 versus a de Iberê Camargo. Serão obras mais apolíneas ou mais dionisíacas, para usar os termos consagrados no plano da história da arte, inventados por Nietzsche na segunda metade do século XIX, ao estudar a Grécia clássica. Até então, o Helenismo concebia uma Grécia toda branca, tal como seus templos, harmoniosa, ordenada, lúcida, tranquila – a apolínea (palavra evidentemente derivada de Apolo, o deus da luz e da beleza que resulta do e implica no equilíbrio). Coube ao filósofo alemão perceber o simultâneo fervilhar subterrâneo de outra Grécia, cheia de paixões, dor e sangue, que chamou dionisíaca (de Dioniso, o deus do vinho, da embriaguez, das festas, do teatro, e símbolo da irracionalidade). A civilização olímpica que aprendemos na escola é uma superestrutura idealizada. Dentro da própria cultura-mãe do pensamento ocidental, os derrotados numa batalha eram escravizados – ou simplesmente passados em massa pelas armas. Aliás, os templos gregos não eram brancos, eram intensamente coloridos. Ficaram brancos porque foram lavados por vinte séculos de chuva. Desde Nietzsche, apolíneo e dionisíaco tornaram-se categorias estéticas, atualmente um tanto desu-sadas, é verdade, mas ainda úteis, como no caso de Sued. Tudo o que penso sobre sua pintura vem da observação da obra.
Não o conheço pessoalmente, jamais conversei com ele, não pude sentir sua aura – o que, dentro da crítica culturalista de hoje em dia, traria informações muito bem-vindas, a esclarecer e enriquecer valores e significados. Há setenta, oitenta anos atrás, houve uma escola formalista de crítica literária anglo-americana, o “new criticism”, que influenciou a das outras artes e exigia o bani-mento puro e simples da figura do autor. Tudo a estudar-se era o texto – ou, no caso das outras artes, o respectivo produto. Mas os ventos sopram em diversas direções e hoje pratica-se o contrário. Até a orientação sexual de um artista passou a integrar a discussão da obra. A verdade é que me considero pouco versado em Sued, que só acompanhei de longe. Quando em meados dos anos 70 encontrei-me com sua pintura, que então se revelava nacionalmente, não hesitei em considerá-lo um apolíneo puro. Apesar de utilizar a cor – coisa que apolíneos ainda mais radicais, como os concretistas, consideravam um pecado romântico –, seus quadros abstratos geométricos provinham de um espírito rigoroso e equilibrado, traduzido no uso exclusivo de ângulos retos e na largura igual de faixas verticais coloridas. A mesma composição era repetida, variando o conteúdo cromático, tal como na série “Homenagem ao Quadrado”, de Joseph Albers. Não sei se era tudo o que Sued fazia, mas era o que aparecia. Pintura respeitabilíssima mas que não me contagiava, em virtude do que me parecia certa frieza. Sempre me incomodou a frieza de qualquer natureza na arte. Tenho-me por um temperamento apolíneo mas espero sempre, na e da obra, estremecimentos de vida sem os quais ela me parece incompleta.
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”, pergunta-se num verso Machado de Assis. Mudamos ambos. Certa-mente tornei-me mais receptivo. Certamente Sued tornou-se mais generoso. A pintura desta exposi-ção, por sua postura e correta inserção histórica, suscita-me admiração, quando criticamente encara da. Mas me desperta também adesão e empatia, possibilitadas por um deleitoso jogo entre mergulhar em tranquilos campos de cor e fazer transitar o olhar pelas áreas e frisos que os cercam, e que chegam a ser lúdicos e inquietos. Obviamente são construídos com intuição e gosto, não segundo um projeto. Bem observou Marcus de Lontra Costa que os acontecimentos pictóricos se deslocaram para as bordas dos quadros, onde predomina a oficina da invenção. Sem deixar de ser religiosamente geométrica, firmemente ancorada em Apolo, essa pintura contém uma evidente carga expressiva, discretíssimas reverências a Dioniso, que está sempre por perto quando se pronuncia o vocábulo prazer. Simetricamente consegue exprimir, uma dramaticidade severa, através dos quadros de colorido muito escuro, que são a maior parte. Curiosamente, pode-se observar o mesmo fenômeno em Tomie Ohtake, nos quadros pintados após os 90 e tantos anos. Seria ingênuo falar na percepão da morte – até porque ninguém lhe sabe a cor. Pode ser branca. Mas seguramente trata-se do privilegiado acesso a algum mistério.
Para chegar à sua síntese final, Sued perpassou por movimentos interiores que não ouso chamar dionisíacos, pois os fogos escuros de Dioniso não queimam dentro de seu temperamento claro como pintor. (Como ser humano, não sei). Depois de muito tempo usando um pincel estrito e magro, a criar superfícies perfeitamente lisas, passou a incorporar na linguagem o relevo da tinta sobre a tela, deixando visível a dança de seu gesto – coisa que os construtivistas ortodoxos consideravam, também, um pecado de subjetividade romântica. Em outro momento (ou em outros momentos?) as composições ortogonais explodiram, estilhaçando-se em quadriláteros irregulares. Há três quadros dessa família na presente exposição. São tão diferentes da integração formal dos demais que dificilmente lhes identificaríamos o autor, se os encontrássemos soltos à nossa frente. Não são pacíficos nem contemplativos – são guerreiros. Mas tampouco significam renúncias. No mesmo ano, dos três aqui presentes, 2010, Sued pinta quadros geométricos da mais nítida estirpe apolínea, como se pode ver neste catálogo.
Daí o bonito título que escolhi para este texto – roubado a um ilustre romance de Jane Austen, publicado no começo do século XIX. Decididamente Sued e sua pintura sempre foram e sempre serão apolíneos, mas estão vivos e por isso não se calcificam numa ortodoxia estética e/ou ideológica. Vão longe os tempos em que eu o sentia como frio. Sua arte hoje é acolhedora e cálida, a provar que não existe sensibilidade sem razão e vice-versa. Pouquíssimas vezes se encontra fusão tão perfeita.
P.S.: E que colorista magnífico!
Olívio Tavares de Araújo
Eduardo Sued (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1925). Pintor, gravador, ilustrador, desenhista, vitralista, professor. As pinturas e gravuras de Eduardo Sued exploram a espacialidade e as formas geométricas com cuidadosa composição cromática.
Antes de seguir a carreira artística, frequenta a Escola Nacional de Engenharia do Rio de Janeiro entre 1946 e 1948. Em 1949, inicia formação como artista plástico no curso livre de pintura e desenho do pintor alemão Henrique Boese (1897-1982). Entre 1950 e 1951, trabalha como desenhista no escritório do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012).
Com o dinheiro da venda de algumas aquarelas, parte para Paris, onde frequenta as academias La Grande Chaumière e Julian. Nos anos em que vive na capital francesa, entra em contato com as obras dos espanhóis Pablo Picasso (1881-1973) e Joan Miró (1893-1983), e dos franceses Henri Matisse (1869-1954) e Georges Braque (1882-1963). Retorna ao Rio de Janeiro em 1953 e frequenta o ateliê de Ibe-rê Camargo (1914-1994) para estudar gravura em metal, tornando-se mais tarde seu assistente.
Sued acredita na pintura como fazer intelectual, solitário e meditativo. Por isso, aquele que, na visão do crítico Ronaldo Brito (1949), “é o grande desinibidor das linguagens abstratas, de origem construtiva, na pintura moderna brasileira”1 não participa ativamente de nenhum movimento, mantendo-se ao largo das disputas travadas entre concretos e neoconcretos nos anos 1950 e também das discussões sobre a nova figuração dos 1960. Sua poética abstrata se forma pouco a pouco, em diálogo constante com a tradição da pintura moderna internacional e brasileira.
Em 1956 inicia a carreira de professor e leciona desenho e pintura na Escolinha de Arte do Brasil. De 1958 a 1963, ministra aulas de desenho, pintura e gravura na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo. Em 1964, volta a morar no Rio de Janeiro e publica o álbum de águas-fortes 25 Gravuras. A partir de meados da década de 1960, o interesse por grandes áreas cromáticas e a busca por mais plasticidade levam o artista a se dedicar de forma cada vez mais exclusiva à pintura.
1952 – III Salon des Travaux Publiques na Galerie Metro Beaux-Arts, Paris.
1956 – Salão de Arte Moderna no Museu de Arte Moderna, MAM, do Rio de Janeiro. 1961 – XVI Benal Internaconal de São Paulo, com três telas de grande formato (entre 3 e 4 metros de extensão).
1962 – No MAM-RJ 20 pinturas de grande formato. Faz sua Primeira exposição individual em São Paulo, Galeria Luisa Strina. Participa da mostra “Brasil 60 Anos de Arte Moderna: Coleção Gilberto Chateaubriand”, em Lisboa e Londres.
1968 – Primeira exposição individual, na Ga-leria Bonino no Rio de Janeiro.
1970 – I Bienal San Juan de Gravura Latino Americana, em Porto Rico, e para a III Bienal internacional de Gravura, em Cracóvia.
1975 – O MAM-RJ adquire o primeiro traba-lho do artista para seu acervo.
1984 – Bienal de Veneza. 1985
1987 – XIX Bienal Internacional de São Paulo. 1989 – XX Bienal Internacional de São Paulo. 1990 – 9° Exposição Brasil-Japão de Arte Contemporânea, Atami, Sapporo e Tóquio, Japão.
1992 – Grande mostra individual com 30 obras, no Paço Imperial do Rio de Janeiro.
1994 – Individual comemorativa de seus 70 anos, Galeria do Século XXI, Museu de Belas Artes, Rio de Janeiro. 1998 – Individual no Centro de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro. É lançado o livro “Eduardo Sued: entrevista a Lúcia Carneiro e Ileana Pradilla”.
2000 – Vídeo “Palavras no ateliê: uma tarde com Eduardo Sued”, direção e roteiro de Arthur Ornar, 70 minutos.
2004 – Individual “Eduardo Sued: A experiência da pintura”, Centro Cultural Banco do Brasil, RJ.
2005 – Livro retrospectivo do conjunto de sua obra, organização de Ligia Canongia, patrocí-nio da Petrobras e edição da Cosac Naify.
2005 / 2024 – Individuais em importantes galerias brasileias, como Raquel Amaud (São Paulo, 2016), Marília Razuk (São Paulo, 2005); Mul.ti.plo(Rio, 2013, 2014, 2015 e 2018); Da-nielian e Cassia Bonemy (Rio, 2021).