Exposição Coletiva
Antonio Henrique Amaral
Claudio Tozzi
Ivald Granato
Abertura
Quarta-feira, 17 de outubro de 2012
20 às 22 horas
Exposição
Até 3 de novembro de 2012
Segundas a sextas-feiras das 10 às 18 h
Sábados das 10 às 13 h
Local
Rua Curitiba, 1862, Lourdes, 30170-127
Belo Horizonte/MG
Estacionamento Privativo
+55 (31) 3318-3830
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Três Mestres na Maturidade
Mesmo que hoje em dia até por 70 reais seja possível ir em uma hora de Belo Horizonte a São Paulo, as mesmas facilidades não existem no plano da cultura. Entre as duas cidades – assim como entre elas e o Rio – há gaps no intercâmbio, dificuldades e buracos em virtude dos quais as trocas de exposições ainda ocorrem pouco. De um mineiro, ou de um grupo de mineiros da nova ou média geração, há anos não vejo obras em São Paulo. Quem aqui aparece e reina (merecidamente) é Amílcar de Castro – e só ele. Acredito que, talvez em escala menor (pois São Paulo é grande exportadora até de arte), Belo Horizonte também se ressinta desse tipo de carência.
Três artistas de São Paulo na plena maturidade compõem a presente mostra: Antonio Henrique Amaral, Claudio Tozzi e Ivald Granato (paulista por vivência, visto que nascido no estado do Rio). Com nomes desse peso, trata-se de uma exposição quase institucional, dessas que, de tempos em tempos, vêm para preencher as lacunas. Ao longo de mais de dez anos de existência, a Errol Flynn se destacou com seus mais de cinquenta leilões, mas nunca se limitou a ser uma casa especializada neles. Realizou também selecionadas exposições de grupos, assim como, entre outras, individuais de Aldemir Martins (a última em galeria antes de ele falecer), Enrico Bianco, Marina Nazareth, Sérgio Telles e Yutaka Toyota. Possui um bom currículo – que agora se enriquece com estes três artistas consagrados.
A exposição Amaral – Tozzi – Granato não constitui um corte sincrônico, não apresenta apenas o que estão realizando nos últimos dois ou três anos. Pelo contrário, de Antonio Henrique e Tozzi a pintura aqui mostrada provém das décadas de 1980 e 90, época áurea de ambos, quando chegavam ao apogeu. A produção de Granato é mais recente, concentrando-se numa série de pequenas pinturas de 2001 e agregando poucas outras – tudo, porém, de um conjunto de rara qualidade. Os três artistas se impuseram na mesma década de 1970, são ligados por laços de amizade e pertencem mais ou menos à mesma geração. Antônio Henrique é o mais velho (nascido em 1935), Granato, o mais novo (1949), Tozzi (1944) fica quase exatamente no meio. Aliás, no que se refere a esta mostra, Tozzi foi também o catalisador. Trabalhando há muitos anos com a Errol Flynn, coube-lhe sugerir a extensão do convite aos companheiros, que pela primeira vez aparecem nesta sala.
Encerram-se aí os parentescos. Em termos de projeto e linguagem da pintura, AHA, CT e IG são inteiramente distintos. Todos os que têm saudável convivência com a arte brasileira – e, de preferência, mais de 50 anos de idade – se lembram do fulgurante aparecimento de Antônio Henrique, pintando bananas em plena ditadura militar. Bananas que nada tinham a ver com exotismo ou o tropicalismo então vigente e sim com a própria ditadura, metáforas do indivíduo e sua circunstância. Eram arte engajada, arte de protesto, incitamento à resistência, se não à ação. À medida que a situação piorava, as bananas iam passando a sofrer mais, penduradas, furadas, enforcadas, fatiadas no prato, até se despedaçarem inteiramente na tela A Morte no Sábado, pintada quando do assassinato do jornalista Vladimir Herzog durante um interrogatório. Distraidamente, houve quem as associasse ao hiperrealismo da moda. Nada disso. Ao lado das Cenas da Vida Brasileira, de João Câmara (uma série de dez óleos de grande formato e nada menos de cem litografias), constituíram certamente o que de melhor se produziu de pintura política no Brasil na segunda metade do século XX.
Igualmente Cláudio Tozzi despontou com brilhantismo, refletindo seu momento sob outros ângulos. Num encantamento próprio da idade, apropriou-se de recursos da linguagem da pop art triunfante e tratou de temas do entorno imediato e do repertório internacional de sua geração. A guerra do Vietnam, o bandido da luz vermelha (personagem que marcou a crônica policial da época), multidões vibrando com o futebol (a Copa de 1970, enquanto o pau corria solto nos porões!), passantes anônimos e tristonhos no Viaduto do Chá. Assim como astronautas (belas obras) e, como não é de surpreender, Che Guevara. Dois temas incomuns e curiosos – porquanto geométricos e despidos de glamour – já apontavam para o futuro artista abstrato: fechos-éclair e parafusos. Na Bienal de Veneza de 1976, Tozzi compareceu com trabalhos figurativos na essência, por suas alusões à natureza, mas abstratos na forma. Eram tableaux-objets de acrílico, mostrando quadrados concêntricos contendo materiais como terra, relva seca, algodão e pigmentos em pó ocres, verdes e azuis.
Dos três aqui presentes, minha intimidade sempre foi menor com Granato, tanto com a pessoa quanto com a obra. Lembro-me perfeitamente de sua chegada (com vinte e poucos anos, foi-me visitar levando alguns desenhos), destacando-se de imediato como um desenhista muito dotado, premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte em 1979 e 82. Perdi-o um pouco de vista, a seguir, porque seu temperamento dionisíaco e indagador o levou para as vanguardas da época: performances, happenings, vídeos. A meu ver faltava ainda a essas linguagens autocrítica e filtragem, e muito da produção brasileira me parecia apenas inconsequente. Não me interessei por a observar de perto, como não observei Granato. Felizmente, ao lado de uma carreira de vanguardista muito bem sucedida até internacionalmente, ele nunca abandou o desenho e a pintura, e é sobre esses suportes mais tradicionais que funda hoje seu prestígio. Desde já antecipo, aliás, que, apesar do temperamento e das incursões iconoclastas , dos três aqui reunidos Granato vem a ser o mais fiel a seu passado, enquanto desenhista e pintor. Figurativo convicto (mesmo quando a figura se esconde), desde sempre combina cor, gestos, expansividade e deformações de índole expressionista com um imprevisto lirismo. Nisso não mudou.
Os outros mudaram mais – ainda que de modo perfeitamente coerente. Tozzi se firmou como um construtivista dentro da figuração. Costuma-se aplicar esse termo – construtivismo – sobretudo a obras abstratas geométricas (não às informais, gestuais ou caligráficas), que derivam de Mondrian e culminam, por exemplo, no concretismo brasileiro. Contudo existe, também, a figuração construtivista, igualmente fundada na geometrização, brotada lá atrás, com Cézanne, e cujo primeiro apogeu foi o cubismo. Ao mesmo tempo em que transita episodicamente pelo abstracionismo puro, na obra de Tozzi predominam desde 1990 as representações estilizadas de cidades, escadas e outros detalhes arquitetônicos. Como no cubismo, o cerne de seu projeto não se prende àquilo que Mestre Volpi chamava, com certo desprezo, de “assunto”, isto é: a realidade que se contempla ao redor. Prendese à linguagem. Volpi – muito inteligente e atilado, apesar de à primeira vista parecer um pouco rudimentar – dizia ainda que não pintava bandeirinhas, querendo significar que as famosas “bandeirinhas” de seus quadros não constituíam “assunto” – e sim uma composição com triângulos e retângulos ritmadamente coloridos. Corretíssimo. E também aqui, vê-se que certas escadas de Tozzi são menos escadas que exercícios de pintura pontilhista.
Em Antonio Henrique subsistiu sempre a figura, numa vertente que dele faz, a meu ver, o único artista brasileiro afim do verdadeiro surrealismo, da segunda metade do século passado para cá. Por surrealismo passou-se a entender, geralmente, certas contrafações estilísticas como as de Dali, mergulhadas em falsos pesadelos de árvores mutiladas, olhos escorrendo sangue e outras aberrações que tais. Não estou falando disso e sim dos primeiros representantes do movimento na Europa, que descobriram Freud com maravilhamento e propunham o “automatismo psíquico puro” como método de criação. Em trilha semelhante, a iconografia de AHA brota de vivências profundas, por vezes até “preconscientes” (como ele mesmo percebeu). Repito: as bananas nunca tiveram nada a ver com o hiperrealismo, eram manifestações emocionais, até possuíam vísceras. Certamente não cabe falar de DNA ou atavismo (pelo menos não neste sentido tão primário), mas não custa lembrar que AHA é parente não distante de Tarsila, o primeiro artista brasileiro surrealista, durante um período curto mas original e convincente. Com as formas arredondadas, os volumes bojudos, o colorido telúrico e a vegetação fantástica e algo ameaçadora da fase antropofágica de Tarsila é que se aparentam, perceptivelmente, o barroquismo, a fantasia, a imaginação planturosa de Antonio Henrique Amaral.
Concluamos por Granato. Como lhes disse, é o que acompanhei menos de perto, e por isso mesmo o que mais me surpreende. Dos outros dois, já conhecia todas as fases da produção, e os pontos altos de cada uma delas. De Granato, não – e não por culpa dele, é evidente. A qualidade de seu trabalho, nesta exposição, nutre-se de certo lirismo espontâneo, da liberdade, da fluência que se evidenciam sobretudo na série de pequenas obras de 2001. Tecnicamente são pinturas, porque têm como suporte a tela e como instrumento o pincel – mas dir-se-iam desenhos, pela despretensão e leveza. Reencontram o melhor do artista (ou é ele que os reencontra?) em sua alma gráfica.
São Paulo, setembro de 2012