Exposição

Abertura
22 de Novembro, 20h
Exposição
Até 8 de Dezembro.
Segunda a sexta-feira, das 9 às 18h
Sábado, das 9 às 14h
Local
Rua Curitiba
Nº 1862
Bairro Lourdes
Belo Horizonte / MG
CEP: 30.170-127
- @errolflynngaleria
- /errolflynngaleriadearte
Beleza Distribuída a Todos
Para o público belo-horizontino, Sérgio Telles não é, em definitivo, um estranho. Já expôs nesta cidade várias vezes. Simetricamente, Belo Horizonte também não é uma estranha para ele, visto que, lá por seus dezenove ou vinte anos, galantemente vestido com sua farda do Colégio Militar do Rio de Janeiro (ou coisa semelhante), vinha muito frequentemente a Belo Horizonte para namorar uma senhorita da mais tradicional família mineira. Nada menos que uma filha de Lúcia Machado de Almeida. As paisagens de Ouro Preto que aparecem nesta exposição sem dúvida traduzem vivências recentes, mas quem sabe talvez também se destile delas uma certa nostalgia? Ninguém passa impunemente por Ouro Preto, sobretudo durante a juventude e a velhice.
Minas é apenas uma das paragens por onde Telles andou. Infatigável viajante, observador atento e voraz, curioso por paisagens novas, pessoas, trajes e costumes, teve a sorte de ter sido diplomata, o que lhe facilitou conhecer praticamente o mundo todo e registrá-lo em sua obra. Serviu na Suíça e na Malásia, e terminou a carreira como nosso Embaixador na Tunísia – para só citarmos os destinos mais exóticos. Com razão, ele não gosta muito que se fale nisso, porque existe certo preconceito contra artista que deu certo na vida numa profissão extra-artística. Paciência. Atenhamo-nos às consequências felizes, ao fato de que seu olhar, seus pinceis e espátulas conseguiram dar-nos conta disso tudo. A vivacidade e a movimentação das cores da pintura de Sérgio Telles lembram-me um episódio acontecido há uns trinta anos: a noite em que descobri (e passei inteirinha lendo-os) os “Poemas Escritos na Índia”, de Cecília Meirelles. Falam o tempo todo do deslumbramento da poetisa diante dos coloridos dos campos, dos saris, dos palácios, das plantas e flores – isto é, de verdes, dourados e azuis, terrosos ou rosados, rubros ou amarelos. Adjetivos desse tipo surgem quase a cada verso. A pintura de Sérgio Telles é igualmente esfuziante sobretudo nos quadros pintados nessas andanças longínquas, sugerindo que outra atmosfera, outra luminosidade e outra relação cultural com a cor permeiam certo Oriente.
Telles vem a ser um perfeito carioca (como dizia Di Cavalcanti de si mesmo), possuindo um savoir faire que lhe faculta atravessar a vida – suas dádivas como suas agruras – sem se enredar nem estressar. Mesmo que, nas últimas décadas, o que se chama de arte tenha-se transformado inteiramente e se complicado ao extremo, para ele continua sendo um exercício de ter e dar prazer. Não instila angústias em sua pintura, nem filosóficas ou existenciais, nem estilísticas. Artisticamente é um conservador assumido. Nem um pouco acadêmica, como bem o demonstram a liberdade do desenho e o gesto nervoso, mas fundada num aprendizado sólido da técnica, sua linguagem sempre foi figurativa, ancorada a valores permanentes como composição, pincelada, cromatismo, e circunscrita aos temas tradicionais: paisagem, natureza-morta, flores, o interior do próprio ateliê, grupos e festas populares, cenas de bailes, mercados e – como bom carioca da estirpe dicavalcantiana – bordeis e prostitutas. Grande parte dos quadros nasce in loco, do contacto direto com a realidade. Telles é daqueles que preferem pintar “do natural”. Nesse diálogo estreito com o dia a dia da vida, acabou formatando o que Francisco Bethencourt, diretor do Centro Cultural Calouste Gulbenkian, de Lisboa, muito bem resumiu, em 2001, como “uma geografia de afetos”.
A um pintor, hoje em dia, quase não se permite mais querer acertar, nesses tempos em que a “desconstrução” se tornou a norma da moda. É até engraçado observar como nos últimos quinze anos as próprias palavras com que se pretende elogiar (não diminuir) uma obra de arte contemporânea o fazem por um viés negativo, pelo desejo do não entendimento: opacidade, dissimulação, velamento. A obra não resolve nem responde a questões: problematiza, questiona. Uma arte franca e que diga claramente a que veio corre o risco de ser tachada de superada. Alheia a essas controvérsias, a pintura de Sérgio Telles é modelarmente clara em seus propósitos e instrumentos. Pertence ao âmbito do lírico e expressivo, sem entretanto entrar em choque com a precisão e a racionalidade. A pintura se faz com um gesto curto e solto, incisivo e espontâneo, aplicando as tintas com rapidez – e, no entanto, sempre limpo e seguro. Embora lírico, Sérgio Telles não é um artista dramático, dionisíaco, um expressionista com aquele pessimismo visceral dos alemães. Tem um temperamento e uma visão do mundo apolíneos, está do lado da luz, não das sombras e desvãos. Basta comparar sua visão de Ouro Preto com a de nosso barroco e denso Carlos Bracher.
A sólida formação do artista lhe permite dominar todos os suportes: pintura a óleo, desenho, guache, pastel, aquarela – de que há aqui ótimos exemplos. No tipo de linguagem que escolheu, não dá para enganar. Ou o pintor sabe o que está fazendo, ou a tela vira uma sujeira. Sobretudo não se pode enganar na aquarela, técnica dificílima que não permite correções, e ou a obra nasce e se acerta num momento inspirado, ou tem de ser destruída. Porém, ao contrário do que ocorre com a maioria dos aquarelistas, Sérgio Telles não as faz suaves, frágeis, como música de câmara levemente instrumentada, e sim intensas e brilhantes. Andam par a par com a pintura, possuem, desta, a impostação sinfônica.
Para concluir. Mesmo depois de exposições em todo o mundo e de ter obras em museus de primeira importância, Sérgio Telles não ficou nefelibata nem mascarado. Não faz pose. “Sou apenas um trabalhador mental e braçal como tantos outros” – exagera. Por certo, como todo artista, é um trabalhador – mas diferenciado. É essa diferença que possibilita sua descoberta da beleza – que ele trata de capturar em todo o mundo e procura distribuir a todo mundo.
Olívio Tavares de Araújo
Sergio Telles
Diplomata, Embaixador, Desenhista, Pintor e Ilustrador
Sergio Telles nasceu em 1936 no Rio de Janeiro e começou a pintar aos nove anos na Quinta da Boa Vista orientado por Levino Fânzeres, um paisagista. Em 1954 Sergio Telles participou pela primeira vez do Salão Nacional de Belas Artes. Posteriormente, obteve vários prêmios nos salões da Sociedade Brasileira de Belas Artes, Associação de Artistas Brasileiros, foi inclusive agraciado com uma viagem à Bahia. No ano seguinte, realizou sua primeira exposição individual no Rio de Janeiro.
Em 1957 Sergio Telles viajou para a Europa e visitou os principais museus na Itália, França, Holanda e Portugal. Naquele mesmo ano, na condição de estagiário, prestou serviços de restauração na Pinacoteca do Vaticano. Depois de seu retorno ao Brasil, trabalhou nos ateliês de Rodolfo Chambelland, Oswaldo Teixeira e Marie Nivouliès de Pierrefort, no Rio de Janeiro.
Em 1964, ingressou no Ministério das Relações Exteriores por concurso público e, como diplomata, exerceu diversas funções no Brasil e em países como Portugal, Argentina, Angola, Japão, França, Malásia, Líbano, Suíça e Tunísia. Aposentou-se como ministro de primeira classe da carreira de diplomata, regressando ao Brasil em 2006. Atualmente reside em São Paulo.
Em agosto de 2005, Sergio Telles foi condecorado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a maior comenda da Ordem de Rio Branco, a Grã-Cruz ordinária.
A obra de Sergio Telles, desenhos, aquarelas, gravuras e pinturas realizadas no Brasil, França, Portugal, Líbano, e Tunísia (paisagens urbanas, praias, mercados, bailes populares, interiores de seus ateliês) figura em museus importantes como o Carnavalet, o Beaubourg, o de Arte Moderna de Paris, Grenoble e Marselha, o Petit Palais de Genebra, o Hermitage de São Petersburgo, o Pouchkine de Moscou, o MASP de São Paulo, o Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, a Fundação Gulbenkian e o Museu de Lisboa, o Bridgestone de Tóquio, o Albertina de Viena e o Palácio Kheireddine de Túnis.
Suas principais exposições foram organizadas por alguns dos museus acima listados e pelas galerias Wildenstein de Londres, Tóquio e Buenos Aires, Bernheim Jeune, “La Cave” e Claude Marumo em Paris, Perron em Genebra, Jean Boghici no Rio de Janeiro, Renato Magalhães Gouvêa em São Paulo, S. Mamede em Lisboa, Nuno Lima de Carvalho no Estoril, Fujikawa em Tóquio e Stuker em Zurique.
Textos sobre a pintura de Sergio Telles foram escritos por críticos de arte e intelectuais como Bernard Dorival, Gaston Diehl, Raymond Cogniat, Arnaud d’Hauterives, Pierre Courthion, Pierre Seghers, Henri Dauberville, Jeanine Warnod (Paris), François Daulte (Lausanne), Antonio Bento, Jorge Amado, Olivio Tavares de Araujo, Ferreira Gullar, Fabio Magalhães, Carlos Drummond de Andrade, Mario Barata, Clarival do Prado Valladares, José Roberto Teixeira Leite, Jacob Clintowitz, Gilberto Gil, Rachel de Queiroz (Rio e São Paulo), Antonio Valdemar, José Carlos Vasconcellos, Fernando Namora (Lisboa), Rafael Squirru, Cesar Magrini, Eduardo Baliari, Sigmart Blum (Buenos Aires), Chisaburo Yamada, Yasuo Kamon (Tóquio). Trata-se de impressões que figuram em livros, álbuns de gravuras e catálogos de suas exposições publicados na França, Brasil, Argentina, Portugal, Tunísia e Japão.
Morreu em 24 de janeiro de 2022, aos 85 anos.